Editorial

Autores

  • Renato Moraes Lucas Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

Resumo

Prezado(a) leitor(a) Como habitualmente é feito, abriríamos o editorial celebrando mais uma publicação de nossa Revista, consubstanciaríamos o tema e passaríamos a descrever uma síntese encadeada dos artigos. Entretanto, neste número Psicanálise Brasileira, uma tarefa a mais se apresenta: a compreensão acerca do baixo afluxo espontâneo de artigos e a pouca adesão aos convites à escrita, culminando em um pequeno número de artigos temáticos. É algo muito inabitual na história de nosso periódico e certamente não condiz com a pujante psicanálise desenvolvida em nosso país, um fato ainda mais surpreendente pelas elogiosas e estimulantes manifestações provenientes de muitas partes do país, ressaltando a coragem de nosso corpo editorial por apresentar tal tema. Como referido no argumento da carta convite, buscávamos estudar as relações, intersecções e tensões do campo relacional entre a cultura brasileira e a cultura psicanalítica desenvolvida no Brasil, examinando nossa trajetória e o modo como fomos, estamos sendo e seremos formados em psicanálise no Brasil, assim como pretendíamos contribuir para a integração das variáveis constituintes da psicanálise que exercemos em suas diversas expressões, identidades, processos e desenvolvimentos teóricos. Acreditávamos ainda que o tema poderia servir para um reforço de nossa identidade de psicanalistas dentro do gravemente cindido cenário sociopolítico vivido nos últimos anos. O que se passou? Como compreender esta manifestação? Não podemos crer que forças desintegradoras e que lutam fortemente por hegemonia tenham calado o pensamento psicanalítico. Podemos supor, outrossim, que a intensidade delas talvez tenha capturado muito de nosso pensamento, por vezes levando a um posicionamento mais ativo, extra clínico, dos psicanalistas neste período. Podemos imaginar que a saturação do campo social e do campo psicanalítico, ocasionada pela intensidade da cisão e pelo estímulo constante ao ato, explicitamente vividos neste período, tenha nos sobrecarregado, não permitindo a escrita. Muitos colegas justificaram o não envio de artigos, referindo “não consegui... queria muito, mas não consegui” ou “não deu... faltou tempo...”. Como psicanalistas, devemos respeitar os tempos e os espaços e, com paciência, aguardar os processos. Talvez nossa proposta temática tenha sido realmente extemporânea e, como uma interpretação saturada, não pode ainda ser contida e transformada.

Apesar disso, estamos contentes com a possibilidade de publicar três trabalhos que nos parecem muito representativos para e da Psicanálise Brasileira. Inicialmente, Cláudio Laks Eizirik apresenta Um panorama da psicanálise brasileira contemporânea. Partindo de considerações históricas que formam, sedimentam e mantém em constante tensão a notável diversidade étnica e cultural e, ao mesmo tempo, as grandes diferenças socioeconômicas, o autor traça o longo caminho da implantação e desenvolvimento da psicanálise no Brasil até os dias atuais, dando-nos uma visão de conjunto do percurso da nossa ciência no Brasil. Ao realizar uma cartografia do pensamento analítico brasileiro, o texto permite que nos localizemos no interior desta contínua construção. A seguir, publicamos o artigo Despertando vitalidade e a liberdade de ser si mesmo: letra poética brasileira, senso de humor e sopros de Bion, de Gislene Andrade Santos, no qual a sensível descrição das transformações em uma análise é instrumentada pela poética presente em letras de músicas brasileiras. Acreditamos que este artigo represente claramente a inclusão da cultura brasileira, com sua forma específica de dizer e sentir as experiências da vida, em um processo analítico que, queremos acreditar, possa estar presente no cotidiano da clínica desenvolvida no Brasil. Em seguida, o artigo Inquietações na psicanálise brasileira, de Alice Becker Lewkowicz e colegas, descreve a corajosa experiência de levar a escuta psicanalítica a uma população marginalizada, propondo a teorização de novas práticas analíticas. Da mesma forma, pensamos que este trabalho pode ser um exemplo de tantas experiências que demonstram e defendem a implicação da psicanálise na realidade social, através da experimentação crítica de novas práticas.

Na seção Temas Diversos, publicamos inicialmente Psicanálise situada e plural: extensões, interrogações e inovações conceituais, de Analía Wald e colegas. Proveniente do grupo de trabalho Psicanalistas em um mundo plural, o artigo reflete a respeito das intervenções em situações clínicas no campo social em Porto Alegre e Buenos Aires, propondo incorporar a diversidade e a pluralidade em nossas teorias e práticas a partir de um pensar histórico e social, interrogando certas relações de poder sedimentadas nas instituições psicanalíticas. A seguir, Danielly Passos de Oliveira e Luís Cláudio Mendonça Figueiredo, em Os vestíbulos do Édipo: impasses da triangulação, estudam, com base em uma situação clínica, as vicissitudes da triangulação edipiana e a necessária elaboração de uma relação dual entre indivíduo e casal parental para a consequente diferenciação entre o self e os objetos e também entre a realidade psíquica e o mundo externo. Dando seguimento à seção, Luiz Ernesto Cabral Pellanda apresenta uma proposta metapsicológica em Uma nova epistemologia para a psicanálise: propondo uma neurobiopsicanálise ou psicanálise [2.0] “dois-ponto-zero”, em que, a partir do Paradigma da Complexidade, a psicanálise, ao incorporar concepções biológicas científicas contemporâneas, em especial a biologia da cognição, ruma para um modelo que chama de Neurobiopsicanálise. Em continuidade, publicamos o artigo Palavras aladas guiando o encontro analítico, no qual Fátima Flórido Cesar, Marina F. R. Ribeiro e Cláudia Perrotta estudam autores que se posicionam entre a psicanálise epistemológica e a psicanálise ontológica, propondo, para esta última, o conceito de substância-forração intersubjetiva, enquanto demonstram clinicamente que palavras isentas de fixidez, aquelas criadas entre analista e analisando, possibilitam o contato real e humano. Por fim, o artigo Notas sobre a Pulsão de Morte em Jacques Lacan, Giovanni Vieira de Carvalho Novelli parte em busca da delimitação do conceito de Pulsão de Morte em Jacques Lacan, demonstrando sua trajetória no pensamento do autor e concluindo ser o motor do processo analítico enquanto fundamento dos laços transferenciais.

Desejamos a todos e todas uma ótima leitura!

Renato Moraes Lucas

Editor Chefe da Revista de Psicanálise da SPPA

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Biografia do Autor

Renato Moraes Lucas, Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

Editor chefe da Revista de Psicanálise, membro da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA).

Publicado

02-01-2023

Como Citar

Moraes Lucas, R. (2023). Editorial. Revista De Psicanálise Da SPPA, 29(2), 177–179. Recuperado de https://sppa.emnuvens.com.br/RPdaSPPA/article/view/1062