Editorial
Resumo
Prezados(as) leitores(as) Em seguimento à publicação do número 1 de INTRA, INTER E TRANS SUBJETIVIDADE, e em consonância com o tema, gostaríamos de descrever neste Editorial o processo pelo qual o fluxo circulante de pensamentos entre diferentes espaços de subjetividade culmina na definição de um tema e em uma proposição de escrita para a comunidade psicanalítica, processo este em constante desenvolvimento no seio da comissão editorial. Inicialmente, a partir de experiências e inquietações clínicas, assim como da atenção dada aos múltiplos espaços de onde possa provir a vivência psíquica, é solicitado à comissão para que tragam livremente para o grupo ideias e interrogações, as quais são tratadas, dentro do exercício possível da capacidade negativa, como um Squiggle game. Assim, imagens ideicas são rabiscadas, elementos são acrescentados e proto-caminhos são iniciados, desviados ou aclarados, até um tema ou campo temático ir aos poucos aparecendo. Sua utilidade para o trabalho clínico do leitor da Revista é continuamente revisada, o que constitui um ponto essencial de nosso periódico. Desta forma, a comissão pretende ser uma caixa de ressonância do grupo sociopsicanalítico em que está inserida e, ao propor um tema dentre tantos, tem por objetivo estar o mais próximo possível do que vem a nós. Ao editor, além da participação no referido processo, cabe a continência de uma etapa dissociativa seguida de uma outra integrativa. Pensamos ainda que a composição do grupo e sua coordenação, por constituírem elementos qualificativos do processo – ao ressaltarem um vértice –, demandam uma circulação periódica de lugares com o objetivo de manter a devida insaturação. Neste caminho, como já referido no editorial anterior, a partir do próximo número, passará a ocupar o lugar de editor chefe a colega Ana Cristina Pandolfo. Tenho certeza de que, com sua sensibilidade, acurácia e liberdade, ela seguirá e ampliará o já frutífero caminho percorrido ao longo de 30 anos da Revista, assim como continuará aprimorando este instrumento de escuta do anseio de nossos leitores. Em suas palavras: a realização deste editorial, em que a transição pode ser vivida de forma orgânica, constituindo o devir natural dos processos de transformação, tem a marca da intra, trans e intersubjetividade. Nossa compreensão e respeito pelo mundo interno individual, bem como a noção de que os processos culturais que nos atravessam precisam ser cada vez mais considerados, permite que emerja, justamente na intersubjetividade deste encontro, deste “entre mentes”, algo criativo. É assim que buscamos construir cada novo número da revista, e é como sinto que a “passagem” de editoria tem sido feita: no “entre” dois editores que escrevem este editorial, de forma complementar – um lugar/encontro de inspiração e abertura. Certamente não foram fáceis os últimos anos: afinal, vivemos a pandemia, com suas incertezas, perdas e ameaças, bem como tensões, polarizações e indefinições mundiais. Desta forma, fica aqui o meu agradecimento para Renato Lucas, por propiciar sempre uma essencial capacidade negativa, para a querida colega de coeditoria, Elena Tomasel, pelo entusiasmo e parceria, e para toda a Comissão Editorial, pela incansável busca por funcionar de forma integrada, como grupo de trabalho. Acompanhar Renato Lucas como editora associada possibilitou-me aprender e apropriar-me gradativamente deste momento. Liberdade de pensar, expressão de ideias e de posições, respeito pelo diferente, pelo novo e, às vezes, pelo disruptivo necessário... isto tudo sem deixar de lado o rigor científico e a profundidade psicanalítica... um precipitado de ingredientes tão caros à tarefa de editoria, e que Renato e todos os editores anteriores nos deixam de legado. São trinta anos de construção sólida e de qualidade, os quais celebraremos em outubro em um evento científico, concebido para pensar a revista, suas perspectivas e desafios nos tempos atuais. Minha tarefa como nova editora chefe recebe como herança esta base e estrutura, que precisa ser mantida e cuidada, bem como, ao mesmo tempo, necessita seguir em busca de transformações, evoluções e expansões – tema do nosso próximo número, sobre Bion. O número 2 da Revista que ora publicamos apresenta desenvolvimentos que buscam, além da ampliação conceitual temática, discutir aspectos mais diretamente relacionados à técnica psicanalítica. Para iniciar, publicamos dois artigos que focalizam a inter e a trans subjetividade em termos socioinstitucionais. O artigo A política carnavalesca de um corpo pandêmico, de Shlomit Yadlin-Gadot, estuda a manifestação carnavalesca, tomada tanto como reação contra o Estado quanto como um esforço para reapropriar-se de um senso corporal do Eu e do outro, fruto de um processo trans subjetivo decorrente do efeito da ameaça à identidade em termos da violação dos limites corporais, da interrupção dos contatos sociais e da indefinição do nosso pertencimento a grupos trazidos pela pandemia da Covid-19. Ricardo G. Readi, em Cuidado defensivo: defesa social em instituições de saúde, estuda a Defesa Social, um conceito psicanalítico para pensar as instituições humanas. Ressalta a possibilidade de conluio entre defesas individuais e mecanismos inconscientes do grupo institucionalizado, com o objetivo de contenção dos estados mentais primitivos. Dando seguimento, rumamos para estudos de vértice mais clínico. Glenda Cryan, Marcela Pitone, Roberta Gorischnik e Angeles Aparain, em Inter subjetividade: análise de relatos em uma sessão vincular de um adolescente e sua mãe, realizam um amplo resgate do vínculo intersubjetivo. Consideram que ele abarca o intrassubjetivo, mas não o elimina, constituindo-se como uma nova realidade psíquica que surge entre dois ou mais sujeitos e que possibilita a emergência de certos processos e fenômenos. Assim, um sujeito, sujeito-comoutros encontram-se na trama das redes sociais e vinculares em constante fluxo e transformação, dando origem a novas qualidades. Desta forma, a intersubjetividade poderia se constituir na via régia para a análise do que surge em uma sessão clínica. Exemplificando esta concepção, um rico e detalhado material clínico de uma sessão vincular é apresentado. Mônica Poglia Leal e Rafael Werner Lopes, por sua vez, apresentam e discutem a concepção de polifonia do sonho de René Kaës. Embasada na teoria freudiana do sonho e na polifonia do discurso de Bakhtin – em que a organização discursiva é sempre constituída a partir e através do discurso do outro em uma interatividade que envolve a interiorização de discursos preexistentes e presentes em uma rede tensionada por diversas subjetividades – mostram que a referida concepção de Kaës, na qual se ressaltam aspectos inter e trans subjetivos, visa ampliar a teoria do sonho de Freud. A seguir, Maria da Graça Motta discute a inter-relação entre vivências traumáticas e fenômenos dissociativos em Fragmentação de identidade: muitos para tentar ser um. O estudo apresenta o processo de fragmentação de identidade, quando subjetividades dissociadas se relacionam de forma intra e intersubjetiva, além de discutir abordagens psicanalíticas para favorecer a maior integração entre estados de self. O artigo Contratransferência e subjetividade primária do analista: um recorrido pela literatura psicanalítica, de Idete Zimerman Bizzi, revisita as múltiplas concepções de contratransferência, com ênfase na subjetividade do analista, para construir o conceito de subjetividade primária do analista que, em suas características de unicidade e alteridade, se diferencia e se articula com o conceito de contratransferência. Aspectos referentes à vivência intersubjetiva primitiva foram primordialmente introduzidos no pensamento psicanalítico por Sándor Ferenczi. O artigo “O último Ferenczi” – um breve estudo, de Ana Lucia Monteiro Oliveira, Anette Blaya Luz, Denise Steibel, Maristela Priotto Wenzel e Paulo Berél Sukiennik, apresenta as considerações propostas pelo autor sobre a metapsicologia do trauma e sua possível antecipação técnica e teórica à psicanálise contemporânea no que se refere à contratransferência e à intersubjetividade. Neste caminho, no artigo Tempo de desespero: disrupção do processo analítico, Candice Campos, Fernanda Crestana e Luciane Falcão mostram que os traumas primitivos, que permanecem não integrados, introduzem uma intensa destrutividade no campo analítico. Seguindo as contribuições de Ferenczi, o indivíduo traumatizado se identificaria com o objeto que o traumatiza e, agora transferencialmente, ele colocaria o analista a ocupar de forma passiva e silenciosa o lugar que um dia foi dele frente ao objeto traumatizante. Tal estruturação transferencial poderá bloquear a capacidade transformadora do analista, conduzindo a um fracasso terapêutico. Por fim, publicamos Autoanálise: construindo minha subjetividade, de Luiz Ernesto Cabral Pellanda. À luz do paradigma da complexidade, o autor, juntando as diferentes dimensões da realidade, realiza um longo e sensível exercício integrativo dos elementos contribuintes de seu processo de subjetivação e das implicações disto para a sua prática psicanalítica. Na seção de Temas Diversos, apresentamos o artigo Dimensões da rejeição de Winnicott à pulsão de morte: agressividade sem ódio, trauma ambiental e regressão curativa, de Felipe Lyra da Silva e Augusto Peixoto Junior. Os autores discorrem sobre a conhecida rejeição de Winnicott à concepção freudiana de pulsão de morte, que culmina em uma formulação diferenciada de trauma e de relação terapêutica para este autor. Novamente esperamos que o presente número possa ser apreciado por sua efetiva contribuição ao pensamento analítico dos leitores. Renato Moraes Lucas Ana Cristina Pandolfo Editores-Chefes da Revista de Psicanálise da SPPA
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