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Ainda existem tabus, proibições, preconceitos e limites? E na psicanálise? Quais seriam? Onde surgem e como se manifestam?
Apesar do tabu trazer em si o sentido de algo inabordável, a não ser com espírito de horror, ele sempre desperta um grande interesse por sua exploração.
Os vários pontos de intersecção da psicanálise com a esfera psíquica da cultura formam um complexo de temas multifacetados que tratam do esforço coletivo para tentar dar conta do pulsional e, assim, compreender e regular as relações entre os homens. O espírito desbravador de Freud, cujos interesses estavam voltados simultaneamente aos arquivos da cultura e aos arquivos individuais, revelam-nos consonâncias entre os recalcamentos do sujeito e o traumático da cultura, levantando hipóteses para estabelecer relações da ontologia com a filogenia.
Em especial no ensaio Totem e Tabu (1912), Freud debruça-se sobre os funcionamentos primitivos, sejam civilizatórios ou mentais, e desenvolve seu raciocínio em uma zona entre o sagrado e o estranho (Unheimlich), o medo de algo diabólico e de se tornar algo diabólico, o medo e o desejo de violação. O risco do contágio incide no desejo de romper com a proibição. De acordo com o autor, a ambivalência parece ser a matéria prima constituinte do tabu, em que sentimentos de culpa e ansiedades persecutórias manifestam-se conjuntamente com veneração e luto pela perda.
Na esteira de sua pesquisa antropológica, o desenvolvimento da civilização parece seguir um caminho que parte do totemismo e vai em direção a formas de convívio nas quais a moralidade propiciaria uma vida social.
Pensando tabus e retirando-os do absolutismo, podem emergir recursos mentais mais flexíveis, arejados e diversos.
A escrita desta obra, que completa 112 anos, mais do que oferecer conclusões, é um convite a seguirmos pesquisando, refletindo sobre a complexa e multiestratificada construção tanto de nossa psique como da cultura. Em Totem e Tabu, Freud abordou temas como a ordem primeva e o ritual totêmico canibal, as religiões e as proibições, além de robustecer o conhecimento psicanalítico, sintetizando o saber antropológico, etnológico, social e filosófico de sua época.
Apesar ter sido recebido de maneira ambígua, não resta dúvida de que este ensaio brilhante está o tempo inteiro traçando e apagando as fronteiras entre o pensamento mágico e o científico. Não seria este um traçado ainda em construção, repleto de novas compreensões e, ao mesmo tempo, de novos apagamentos?
Novos tabus desafiam a nossa compreensão psicanalítica, tanto em nível do diálogo clínico quanto institucional.
Existe um sentimento generalizado de que as configurações do tempo têm privilegiado o imediatismo, a liquidez e “cancelamentos” nas relações e escolhas de vida, a incapacidade de enlutar, o hedonismo, o individualismo no mundo interconectado... quais novos tabus estão sendo produzidos? Se o tabu diz respeito ao proibido, o que esconde o exibicionismo atual que tudo mostra?
E no exercício da psicanálise, quais temas, situações e contextos poderíamos considerar como tabus?